2023
Em entrevista ao NOVO, Ricardo Campos, presidente do Fórum Energia e Clima, falou da importância do investimento na reestruturação da ferrovia e dos desafios que se colocam à rede de transportes públicos, não só àquela que está implementada nos grandes centros urbanos como relativamente à rede que simplesmente não existe fora destes circuitos: “Não basta existir, tem de ser atractiva.”
A quarta edição da Energy and Climate Summit, que teve lugar em Évora no final do mês de Janeiro, foi dedicada à mobilidade e ao transporte ferroviário. A um mês do encerramento da consulta pública sobre o Plano Ferroviário Nacional, o projecto Guardiões (promovido pelo Instituto Politécnico de Portalegre, em parceria com o Fórum Energia e Clima e com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo) dedicou esta edição da Energy and Climate Summit aos desafios da mobilidade e à dinamização da estrutura ferroviária.
Em entrevista ao NOVO, Ricardo Campos, presidente do Fórum Energia e Clima, falou da importância do investimento na reestruturação da ferrovia e nos desafios que se colocam à rede de transportes públicos, não só àquela que está implementada nos grandes centros urbanos como relativamente à rede que simplesmente não existe fora destes circuitos: “Não basta existir, tem de ser atractiva.”
Os transportes são responsáveis por um quarto do problema da crise climática. Que soluções para diminuir esse peso?
Nesta quarta edição da Energy and Climate Summit tivemos oportunidade de discutir as temáticas da mobilidade e do transporte ferroviário que dizem directamente respeito a um quarto do problema da crise climática. Os transportes são responsáveis pela emissão de 25% dos gases com efeito de estufa e a descarbonização no sector dos transportes representa um contributo da maior relevância para conseguirmos atingir o objectivo da neutralidade carbónica em 2050. Centrámos as discussões nas propostas de soluções e foram apresentados exemplos verdadeiramente inspiradores em diferentes áreas. No século XX, as cidades foram desenhadas para os carros e, hoje, estas viaturas ocupam uma área enorme dentro das próprias cidades, não só ao nível do estacionamento como da necessidade que os carros ocupam na mobilidade das pessoas. Acreditamos que, hoje, as cidades têm de ter um desenho diferente porque temos de pensar que não é sustentável continuar a ocupar todo este espaço quer em áreas de estacionamento, quer em áreas de construção para garagens, expondo as pessoas ao risco de sinistralidade e atropelamentos. Sabe-se que a sinistralidade rodoviária tem um impacto de 3% no nosso PIB, ou seja, 6 mil milhões de euros por ano. São mais de 400 mortes nas estradas portugueses, além dos feridos graves e de algum impacto que não conseguimos medir. Em Évora debatemos o exemplo de Pontevedra, que é a cidade mais premiada do mundo e que implementou uma série de medidas como a limitação de velocidade a 30 quilómetros por hora e a promoção de uma mobilidade suave com a utilização da bicicleta.
Além desta questão da mobilidade, também foi debatida a importância de ter uma rede ferroviária eficaz.
Depois fomos para uma discussão que sai do planeamento urbano, que se direcciona para a descarbonização e que passa pela aposta na ferrovia em Portugal. Tivemos também o compromisso, do lado do governo espanhol, de que o país vizinho fará os investimentos necessários nesse campo, de forma que haja uma maior coesão da rede ferroviária na Península Ibérica. Neste plano, percebemos que Portugal está num ciclo de investimento que resultará, em 2027/28, numa realidade completamente diferente naquela que é a nossa estrutura ferroviária e no material circulante, nomeadamente aquela que é a linha que vai ligar Évora ao Porto de Sines, com consequências naturais para as exportações portuguesas. Por fim, debatemos a questão do transporte público, que está muito implementado nas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, até porque foi criado um incentivo importante na harmonização da bilhética única e da subsidiação. No entanto, ficou bem claro que não existe transporte público fora desses grandes centros urbanos. Fora de Lisboa e Porto existe pouca oferta e pouca frequência, e percebemos também que, além de existir, tem de ser atractivo.
Como tornar o comboio um meio de transporte atractivo?
O transporte ferroviário é muito importante porque, se fizermos o cálculo do consumo de energia à mesma viagem entre Lisboa e Porto de comboio ou de autocarro, a viagem de comboio vai exigir um menor consumo. Até por aqui percebemos o quanto a ferrovia é muito mais eficiente em termos de transporte. O facto de termos uma infra-estrutura que está a ser modernizada, já que estão ampliados os troços nas estações para que os comboios possam cruzar-se, estão a ser feitas correcções do traçado que permitem uma maior velocidade e o encurtamento do tempo das viagens: esses são factores que vão tornar este meio de transporte mais atractivo, já que as pessoas vão ter comboios em horários mais favoráveis e que passem a ser uma alternativa séria ao carro. Há 3 mil milhões de euros previstos para o investimento na ferrovia. Será um investimento que vai demorar o seu tempo mas que irá permitir uma transformação a médio prazo até nas próprias emissões do país.
As autarquias estão sensibilizadas para esta transformação?
Existe uma grande sensibilidade dos decisores no sentido de implementar uma transformação que melhore a qualidade de vida urbana. No entanto, as emissões continuam a subir de uma forma dramática, apesar de todos estes avisos. Sente-se uma grande vontade dos autarcas no sentido de incorporar estas inovações e da implementação de soluções que sejam sustentáveis. Em cidades onde existe uma cada vez maior concentração de pessoas, percebemos que não é sustentável ter todos estes veículos de combustão interna, passar horas e horas no trânsito e à procura de um lugar para estacionar. Estas coisas não mudam de um dia para o outro, mas é importante ter a consciência de qual é o caminho certo.
Publicado por: Novo Semanário (https://onovo.pt/pais/nao-existe-transporte-publico-fora-de-lisboa-e-porto-e-nao-basta-existir-tem-de-ser-atractivo-defende-presidente-do-forum-energia-e-clima-EL13817672)
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